Noticia Vinculada em 16/04/2009
O engenheiro químico Gilberto Campello Brasil, 63 anos, morador do Recanto das Emas, desapareceu há cinco meses sem deixar pistas para amigos e familiares. Desde novembro do ano passado ninguém recebe notícias de Gilberto, importante pesquisador de peixes e plantas que se mudou para o DF cinco anos atrás. Ele deixou em casa rico material de pesquisa, incluindo ovos de peixes raros e cerca de 500 espécies de cactos. Tudo foi doado para o Jardim Botânico de Brasília, que criou um espaço dedicado às descobertas do pesquisador.
Gilberto trabalhava como assessor técnico concursado no Ministério do Meio Ambiente. Os colegas de escritório foram os primeiros a notar o desaparecimento do engenheiro — ele vivia sozinho, não é casado nem tem filhos. Em 7 de novembro do ano passado, uma segunda-feira, Gilberto não apareceu no ministério. Alguns funcionários ligaram no celular dele, sem sucesso. Como o engenheiro estava ocupado preparando documentos para dar entrada em um novo emprego, pensaram que ele poderia ter faltado para resolver o problema. Em 2006, Gilberto passou no concurso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para o cargo de pesquisador e foi convocado em 2008. Ele estava reunindo a papelada para assumir o posto.
No dia seguinte, nova falta no serviço. Sem conseguir contato com o engenheiro, os funcionários do ministério avisaram a polícia do sumiço. “Na sexta-feira anterior ele veio trabalhar normalmente. De saúde, estava tudo bem, ele tinha até feito o exame admissional para o emprego. Ele era uma pessoa forte, ia ao campo direto”, disse uma das colegas do engenheiro no ministério, Vânia Soares, 56 anos.
A 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas) e a Divisão de Repressão ao Sequestro (DRS) da Polícia Civil apuram o desaparecimento. Como o caso corre em segredo de Justiça, a polícia não revela a linha de investigação ou o que pode ter acontecido a Gilberto. O engenheiro já foi vítima de pelo menos três crimes. Nos últimos cinco anos, teve três veículos roubados. Em julho do ano passado, durante um desses assaltos, ele teria apanhado dos criminosos e sido abandonado na rua. De acordo com amigos do engenheiro, a violência provocou um edema, que ele vinha acompanhando por exames médicos.
Acervo raro
O material de pesquisa encontrado na casa de Gilberto, no Recanto das Emas, foi levado ao Jardim Botânico. A equipe do parque recolheu 35 aquários intactos e vasos com cerca de 500 espécies de cactos. Os aquários estavam sem água e apenas cinco peixes sobreviveram aos meses de abandono, mas morreram logo após o resgate. O sedimento do fundo dos recipientes parecia seco e sem vida, mas estava cheio de ovos depositados pelos antigos moradores. Com um pouco de água, os ovos eclodiram e deram origem a dezenas de filhotes. O procedimento deu certo porque os animais criados por Gilberto eram do tipo killifish: grupo de espécies que vivem em poças e áreas alagadas e depositam os ovos quando a seca se aproxima. Os ovos resistem aos meses de seca e eclodem quando chega a temporada de chuvas. “Ele tinha loucura pela questão dos peixes temporários. Ele é engenheiro químico, mas tem amor grande por essa parte. Então ia, coletava, mandava para universidades”, lembrou Vânia.
Com cerca de 20 dias de vida, os filhotes ainda são pequenos — meio centímetro de comprimento — e não é possível identificar as espécies. “Ainda não se sabe quantas espécies ele tinha em casa porque só alguns aquários estão com etiquetas. Depois, a identificação pode ser feita pelas cores ou contagem de escamas”, afirmou o gerente de preservação do Jardim Botânico, Alex Alves Amorim. O gerente esteve na casa de Gilberto para recolher o material e também encontrou livros, fotografias dos peixes, equipamento de coleta e pesquisas deixadas pelo engenheiro.
Uma das espécies que os biólogos do Jardim Botânico esperam identificar quando os peixes crescerem é o Simpsonichthys boitonei, conhecido por pirá-brasília. O animal é raro, mas já foi encontrado na reserva ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além dele, pode ser que haja nos aquários exemplares do Simpsonichthys gilberatus, espécie descoberta e batizada por Gilberto. Nas viagens de campo por todo o Brasil, ele revelou mais de 20 espécies desconhecidas pela comunidade científica.
O objetivo da equipe é que o Espaço Gilberto Brasil seja útil para pesquisadores da área e também mais um atrativo do Jardim Botânico para os estudantes que visitam a reserva. “A pesquisa é o mais importante. Essa seria a primeira mostra de killifish do Brasil”, comentou o biólogo Fernando Nolli.
Matéria: Elisa Tecles
CLASSIFICAÇÃO:
Um animal pode ser considerado endêmico quando a espécie só pode ser encontrada em determinada área geográfica. O endemismo permite à ecologia estudar ecossistemas antigos que sobreviveram a várias gerações.
Para saber mais
Ao contrário do que o nome possa sugerir (kill em inglês quer dizer matar), os killifishes não são predadores e sim pequenos peixes de água doce que habitam riachos e até minúsculas poças de água da chuva. Essa é uma palavra de origem holandesa – killi significa riacho, ou seja, peixes de riacho. Os killis pertencem à ordem dos cyprinodontideos, que engloba uma infinidade de gêneros e espécies, distribuídos em quase todas as regiões de clima tropical e temperado do planeta.
Em geral são peixes pequenos e muito coloridos. Eles vivem, geralmente, em ambientes saturados de material orgânico em decomposição e com pouco oxigênio diluído na água. Os killis não possuem o labirinto, órgão adaptado a retirar oxigênio do ar. Os killis podem ser divididos em três grupos: anuais, não-anuais e semi-anuais – de acordo com as suas características reprodutivas. Os preferidos de Gilberto são os anuais, ou seja, que se reproduzem apenas uma vez, em época de chuvas.
Vídeo feito pela TVsenado sobre as espécies que estão no Jardim Botânico de Brasilia:
Fonte do Vídeo: Youtube
Link da matéria: Correio Braziliense (DF)